Dignidade e Acesso à Educação Nas Escolas: UM DIREITO AINDA POUCO PRIORIZADO
A qualidade de educação no País vem aumentado com o passar dos anos, entretanto, segundo dados da Unicef (2015) cerca de 22% das crianças em Angola se encontram fora do sistema de ensino e 48% das crianças matriculadas não concluem o ensino primário.
As desigualdades no acesso são substanciais entre as comunidades urbanas e rurais: A taxa líquida de frequência do ensino primário é de 78% para as zonas urbanas e 59% para as zonas rurais. No ensino secundário esta taxa baixa para 50% nas zonas urbanas e 14% nas zonas rurais, tendo uma disparidade bastante acentuada entre os gêneros de 0,89 para as zonas urbanas e 0,62 para as zonas rurais.
Apesar dos esforços e avanços significativos, ainda é uma realidade o grande défice que existe na educação em Angola. Os meninos começam a primária cheio de sonhos, mas infelizmente as condições em sua volta são insuficientes para que possam ter a capacidade de escolher o seu futuro, deixando-os a mercê do destino, facto, que é ainda mais complicado principalmente para as meninas, que têm de enfrentar uma série de tabus e preconceitos para vencer o estigma ao redor da problemática do género, para lá da dificuldade para aceder à uma educação de qualidade.
Como uma menina na comunidade do Eulo tem persistido nos estudos apesar do difícil contexto:
Adriana tem 15 anos e estuda a 5ª classe, em uma escola ao ar aberto no município de Cahama, a “escola primária da comunidade do Eulo”, sita na província do Namibe.
As salas são delimitas por pedras espalhadas pelo chão, não há carteiras, casas de banho e as condições para o aprendizado são precárias. Quando chove, as crianças não têm como estudar por dois ou três dias, pois o chão fica molhado e é o espaço onde boa parte dos meninos sentam-se, porque os poucos bancos não são suficientes para abrigar a todos, e nos dias bastante ensolarados a sombra da árvore onde se abrigam não chega para cobri-los do sol ardente do Sul.
Apesar desta difícil condição o desejo de estudar daquelas crianças e jovens é enorme. Adriana sempre foi uma estudante bastante dedicada e empenhada, e uma das poucas em sua classe que já sabe ler. Ela tem mais três irmãos, e todos estudam, mas ir à escola tornou-se mais difícil para ela depois dos seus 13 anos, idade em que começou a sua menstruação.
A escola sequer tem uma casa de banho e Adriana diz que quando iniciou o seu período menstrual, sentiu algum medo por se tratar de uma etapa complexa para as meninas. Ela conta que diminuiu a sua frequência na escola por falta de condições apropriadas de higiene.
Na sua cultura, uma menina depois de passar pelo Efiko, a cerimónia tradicional pela qual são submetidas na fase da adolescência para marcar a passagem para a idade adulta, poucas são as que regressam à escola, sendo o caso da Adriana uma exceção. A jovem conta que sua família nunca a impediu de ir para a escola, e que sua mãe, principalmente, a encoraja para não desistir, apesar do difícil contexto em que se encontram.
Adriana encara uma realidade que muitas raparigas na sua idade enfrentam nas comunidades mais rurais, as escolas não estão preparadas para as receberem depois de entrarem para a adolescência, sendo preocupante o nível de abandono escolar naquela faixa etária acentuadamente para as meninas, o que acaba condicionando cada vez mais o desenvolvimento das futuras mulheres dessas comunidades, que terminam não tendo direito de escolha, porque o meio em que estão inseridas não é propício para impulsionar o seu crescimento.
“Na nossa escola, não tem casa de banho, nem água para facilitar a minha higiene, então durante esses dias não venho, fico só assim. Mas eu tenho um sonho, e se eu estudar bem vou poder ser professora ou médica, e ajudar a minha comunidade em tudo o que eu poder”
regozijou a pequena sonhadora, que almeja algum dia poder ver sua escola totalmente melhorada e com as condições que conservem a sua dignidade e de seus colegas.
A World Vision tem implementado as suas acções no município de Cahama e propriamente na comuna do Eulo, e para incentivar a resiliência face à situação das famílias naquela localidade, o Projecto Criando Resilência para as Famílias, financiado pela Azule Energy através do CUAMM, desenvolve actividades integradas como as hortas escolares, da qual Adriana assim como outros estudantes da escola primária fazem parte. O poço que há muito não jorrava sequer uma gota de água, foi reabilitado, e agora abastece aquela comunidade reduzindo 10 quilómetros de distância entre o rio mais próximo que fornecia água, uma vez que a seca severa ainda é um problema grave no Sul de Angola. Uma vez resolvida situação da água, a componente da Escola de Campo também foi implementada, e os pequenos agricultores estão a aprender novas técnicas de plantação e cultivo com sementes melhoradas e resistentes à seca, o que poderá contribuir também para a redução dos casos de desnutrição severa, muito presentes, principalmente em crianças dos zero aos cinco anos de idade.
WVA reabilta Escolas e a Dignidade na Educação para mais de 2 mil crianças em Cabinda
No outro extremo do país, a World Vision está a contribuir para que muitas crianças e jovens acedam à uma educação de qualidade com dignidade.
Maria é uma rapariga de 14 anos, vive em Cabinda com seus pais e mais cinco irmãos no município de Ntandu-Nzizi, comuna do Nhobo, e conta como se sente ao ver a sua escola contemplada com a total reabilitação.
“A nossa escola estava mal, não tínhamos carteiras, sentávamos no chão, não tinha nenhuma condição para estudarmos bem, a escola estava mesmo feia”,
lamentou a pequena, que mostrou-se contente pela inauguração da sua nova escola, e diz que ela gostava de estudar o bastante para no futuro poder ser doutora.
Com um olhar atento ao futuro, Maria diz que não vai à escola para brincar, mas sim para aprender e ter um bom futuro, por isso acha uma mais valia que a escola onde estuda também esteja limpa, bonita e melhor organizada.
Por conta da situação da crise económica e subida da inflação, a problemática da fome só tem vindo a acrescer no seio das famílias, principalmente das mais vulneráveis, Maria confessou que muitas vezes é obrigada a ir para a escola com fome, o que em parte condiciona ainda mais o seu processo de aprendizado. Ela quer um dia poder ver essa condição ultrapassada, porque entende que uma das principais coisas que uma criança precisa para viver é ter uma alimentação saudável e tem o direito de ir para a escola estudar para algum dia poder ser alguém na vida.
A escola de Maria faz parte do plano de intervenção do Projecto Integrado de Cabinda (PIC), que até o momento já beneficiou cinco escolas e mais de mais de 2.700 estudantes, que através da componente de merenda escolar, e reabilitação do sistema de água, puderam ver a situação da fome acautelada, sendo que muitas delas fazem na escola a única refeição composta de que precisam no dia.
Assim como Adriana, que vive no Namibe, Maria também sentia a necessidade de poder ter uma casa de banho limpa e com água para os seus cuidados. Agora ela e seus colegas vão beneficiar de mais de uma casa de banho, separadas por género, estando todas totalmente equipadas. Com o pleno abastecimento de água limpa, ela hoje pode ir para a escola e se sentir confortável, até mesmo nos dias de sua menstruação, um dos mais complicados para as meninas na sua idade.
As crianças dessas cinco escolas vão poder gozar finalmente de instituições de ensino com condições, que trarão dignidade ao seu aprendizado, e uma maior segurança para os pequeninos, que anteriormente se viam obrigados a estudar em uma estrutura cada vez mais deteriorada devido à falta de manutenção e cuidados adequados.
A iniciativa do Projecto Integrado de Cabinda (PIC) conta com um financiamento da Azule Energy, coordenado pela VIS Angola e implementada pela World Vision Angola em parceria com os Salesianos de Dom Bosco, tendo como um dos principais objectivos reduzir o nível de pobreza multidimensional na província de Cabinda, atendendo às necessidades básicas priorizadas pela comunidade como a nutrição e água potável, e, até final das actividades, prevê atingir 5 mil crianças através do programa de nutrição escolar.