Estória de Juliana: A luta de uma mãe contra a fome em Angola
Juliana tem 27 anos e é mãe de quatro filhos e vive na comunidade de Caholo, no sul de Angola, uma das mais afectadas pela seca que assola a região. Para além dos seus quatro filhos, também cuida da sua irmã mais nova, de 10 anos. Juliana, tal como a maioria das mulheres da sua idade nesta parte do país, não teve oportunidade de completar os estudos, pois teve de ajudar a mãe a sustentar a casa desde muito nova.
Agora, como chefe da sua própria casa, Juliana sobrevive com os pequenos trabalhos que faz esporadicamente como agricultora nos campos vizinhos, mas a pequena quantia de dinheiro que ganha mal chega para comprar comida para a família.
Para cada dia de trabalho, a jovem regressa à casa com Kz 750 (cerca de $1 USD). Com este dinheiro, compra uma pequena quantidade de farinha (de mandioca ou de milho), com a qual prepara uma refeição para todos em casa. Em geral, essa "fubinha", como ela chama carinhosamente a comida, deve servir para o jantar e o pequeno-almoço, mas nem sempre conseguem fazer o suficiente para a refeição da manhã.
A maior dificuldade que a gente enfrenta aqui é a fome, a gente não tem terra, a gente consegue comer em trabalhos informais, mas não é o suficiente", diz Juliana.
A filha mais nova, Isabel, de dois anos, foi recentemente diagnosticada com desnutrição aguda moderada (MAM), o que deixou Juliana constrangida, pois reflete a realidade de dificuldades e falta de diversidade alimentar que enfrenta em casa.
"As pessoas dizem-nos muitas vezes que temos de cuidar mais dos nossos filhos porque estão mal nutridos, mas eu digo-lhes que não é por não cuidarmos, é porque não temos comida suficiente", queixa-se Juliana.
A maior parte dos dias, quando Juliana não tem trabalho, senta-se à porta da sua pequena casa, de apenas um quarto, a observar os filhos, com o rosto marcado pela preocupação. Ela sabe que faz tudo o que pode para alimentar os filhos, mas que não é suficiente.
Para além deste cenário de extrema insegurança alimentar, com poucas perspetivas de mudança, Juliana lamenta o facto de ter cada vez menos leite para amamentar a pequena Isabel. E o medo de não ter o que comer é constante.
"Estou a amamentar, mas sinto que já não tenho leite suficiente", diz Juliana. "Só estou a amamentar porque, se a desmamar, não vou ter comida suficiente para lhe dar, e ela vai ficar mais mal-nutrida do que já está. Com um pouco de força do meu leitinho, talvez ela consiga passar o dia assim, sem comer nada."
Vladimiro, o filho mais velho de Juliana, de 10 anos, está consciente da luta da mãe para alimentar a ele e aos irmãos. Aventura-se frequentemente à procura de frutos silvestres, sabendo quais as árvores e arbustos que têm frutos comestíveis. Passa horas à procura deles.
Por vezes, os frutos não estão completamente maduros, mas ele apanha-os mesmo assim e leva-os para casa, para a família. As crianças comem os frutos para matar a fome, e Vladimiro garante sempre que a sua irmã mais nova, Isabel, coma primeiro.
"Não tenho medo de cair das árvores", diz Vladimiro, "já estou a fazer isto há algum tempo".
Esta tem sido a vida de Juliana nos últimos anos - os seus filhos sonham com um tempo em que terão comida suficiente para comer, e ela sonha com um tempo em que será capaz de sustentar os seus filhos.
No entanto, a sua sorte mudou há três meses, quando ela e as crianças começaram a frequentar a Cozinha Comunitária, uma iniciativa da World Vision Angola, gerida pelo projecto Hunger Response, que é financiado pela WVUS. Ali, Juliana e Isabel recebem uma refeição quente, uma das mais de 300 servidas diariamente. No total, estão a beneficiar 120 crianças com desnutrição aguda moderada, 45 mulheres grávidas e lactantes e mais de 400 crianças que fazem parte do agregado familiar.
"Esta cozinha é muito importante para nós. Mesmo com esta papa, só temos uma refeição e meia por dia. Se não tivermos, só temos que ferver um pouco de lombi* e comer", diz Juliana com tristeza nos olhos.
Uma vez por mês, o projeto Hunger Response também distribui 8 kg de premix (mistura feita com farinha de milho e farinha de soja), 1 kg de açúcar e 1 litro de óleo vegetal para as famílias das crianças desnutridas, para que elas possam cozinhar a papa em casa.
A ajuda dada pela World Vision Angola com a distribuição da farinha premix garante que a família possa aumentar o número de refeições por dia, mas ainda não é suficiente.
Quando os filhos de Juliana não vão à cozinha comunitária, muitas vezes passam o dia sem almoçar. Vladimiro diz que, quando vai para a escola sem ter comido, sente-se fraco e tem dificuldade em aprender. Também reconhece que
a melhor parte do dia é ir à cozinha comunitária comer a papa.
A estória de Juliana é apenas uma entre muitas em Angola, onde a fome e a má nutrição são uma realidade quotidiana para milhões de pessoas. A seca agravou a situação, deixando muitas famílias sem comida suficiente. As cozinhas comunitárias, como a que Juliana e os seus filhos frequentam, são uma uma alternativa para estas famílias, fornecendo-lhes os alimentos e a nutrição de que tanto necessitam.
No total, o projecto Hunger Response da World Vision Angola é responsável pela gestão de dez Centros Comunitários de Alimentação, espalhados pelos municípios de Humpata, Chibia e Ombadja. Em média, são servidas 314 refeições quentes por dia em cada cozinha.
* lombi: folhas de abóbora ou de feijão