Componente de Micro-crédito fomenta o incremento da educação infantojuvenil em Cabinda
Aos 7 anos de idade os pais de Juliana emigraram para o país vizinho, o Zaíre, com o anseio de buscar melhores condições de vida e sustentabilidade. Lá a pequena Juliana cresceu e estudou até a segunda classe. No início da idade adulta conheceu o seu marido e, logo depois, o casal decidiu tentar a sorte em Angola, onde vieram a ter o seu primeiro filho.
“Eu nasci em Cabinda na aldeia de Tchiswa. As dificuldades eram muitas durante a minha infância, e mesmo depois de ter o meu marido, tanto ele quanto eu não trabalhávamos, vivíamos de biscates. Eu vendia manga, água, pão, e já passei mesmo mal, mas sempre tive uma visão de que a vida não podia continuar assim” relembra Juliana.
No decorrer das suas batalhas pela vida, Juliana mostra que sempre teve uma veia empreendedora, e entre tantos negócios que precisou fazer como a venda de chinelos no mercado de Massabi, sentia que alguma coisa ainda precisava ser feita na sua vida, e que tomar uma atitude era mais do que necessário.
Na procura de soluções para o sustento da sua família, Juliana conta que já fora muitas vezes barrada na altura por não ter completado a quarta classe, que era considerada uma classe de referência, e com tantos problemas para manter o sustento da família, ainda assim Juliana decidiu voltar a estudar.
No meio do caminho, os impedimentos para continuar os estudos eram muitos, e apesar das dificuldades que enfrentava de transporte para ir à escola, a vontade de empreender foi um dos combustíveis que permitiu que ela não desistisse de seus sonhos. Com uma panela, fogareiro e carvão Juliana estalava os milhos tornando-os em pipocas, que usava para vender e daí obter o dinheiro para frequentar as aulas.
De entre tantas tentativas frustradas de entrar para escola industrial, Juliana pensou em desistir e dar seguimento apenas à formação do filho, mas era ele mesmo quem a encorajava para continuar a lutar e não desistir dos seus objectivos. Depois de algum tempo, Juliana conseguiu entrar para a Escola Imeca do Cabassango, onde finalmente terminou o Ensino Médio, facto que a impulsionou a rumar para a estrada da realização.
Juliana enfrentou grandes dificuldades desde as financeiras até os problemas no seu relacionamento. Um episódio difícil da sua vida foi quando seu marido foi embora. Ela lamenta e assinala ter sido uma fase bastante complicada, pois teve de gerir todas as emoções e ainda procurar meios de se manter e a seu filho.
“Quando eu estava na oitava classe, meu marido nos abandonou, eu até pensei em voltar para a minha família, mas eu não quis. Apesar das dificuldades, nunca pensei em abandonar meu filho ou entregá-lo para que outras pessoas o criassem, e graças a Deus consegui criá-lo mesmo com muito sofrimento. Hoje ele está formado, terminou a sua licenciatura no ISCED, e também já trabalha, é um homem grande e bem encaminhado,” celebrou Juliana.
A comerciante conta que seu filho sempre foi uma grande motivação na sua vida, e que sempre a incentivou a estudar e persistir nos seus sonhos, Juliana é uma mãe orgulhosa pelos resultados positivos que consegue ver pela educação e exemplo que passou a seu filho.
Explicação Juliana “Esperança para o Futuro” contribui para a educação de mais de 200 crianças em Cabinda
Ainda enquanto cursava o Ensino Médio, Juliana começou a trabalhar no Colégio Teresa Nsimba. Ela descreve que tudo começou quando estava a lecionar nas escolas da comunidade. Pensou que poderia usar do seu conhecimento para dar explicação e conseguir uma renda extra. Tempos depois, uma de suas sobrinhas veio a falecer, e coube à tia cuidar dos quatro filhos, que não sabiam ler nem escrever. Juliana passou a usar de suas habilidades, e ministrava aulas para os seus sobrinhos-netos, porque pela sua idade eles já estavam ligeiramente atrasados, facto que mudou, porque em tempo recorde já sabiam ler e escrever e podiam, assim, entrar para a escola.
A explicação que era apenas para as quatro crianças em casa, passou ser frequentada por outros habitantes de seu bairro, e com o passar do tempo, começou a chamar a atenção de seus vizinhos e pessoas que se interessavam por sua pequena escolhinha, porque dava um grande empurrão para os mais pequenos da sua comunidade. A sua fama alastrou-se com os seus bons resultados e a explicação estendeu-se, hoje abrangendo mais de 200 crianças que beneficiam de aulas em três turnos.
“Tudo o que consegui foi com muito sofrimento, não foi com as mãos cruzadas que consegui ter essa explicação, porque quando você tem fé e coragem, quando estiver a passar por uma dificuldade Deus não vai lhe abandonar”, afirma Juliana.
Com a chegada do projecto de Desenvolvimento das Cadeia de Valor de Cabinda, foram identificadas pessoas que potencialmente já tinham certas iniciativas de negócio e que estivessem organizadas para receber o crédito, no formato de financiamento.
O grupo Tunda Likanda (Construindo Famílias) foi seleccionado e abrangido com o micro-crédito no ano de 2022. A professora não pensou duas vezes e decidiu usar o espaço em seu quintal para a construção da escola de reforço escolar, numa estrutura mais sólida e apetrechada para os educandos, com quadros e carteiras dignas. Antes do crédito Juliana conta que tinha de rejeitar a matrícula de muitas crianças, porque não tinha condições para as receber.
Hoje a “Explicação Juliana” reúne mais de 200 crianças e a docente pede apoios para continuar com seu projecto, porque prevê ampliar o espaço, bem como acrescentar a parte para a alfabetização, devido ao elevado número de adultos na sua comunidade que sequer conseguem escrever seus nomes. Juliana também quer ser uma parte da solução para o problema da analfabetização em Angola, por isso sempre procura contribuir com o que pode.
O grupo “Construindo Famílias” é composto por 15 membros e recebeu da componente de crédito Kz 3.300.000. As 15 mulheres que o compõe repartiram o valor por partes iguais. A parte de Juliana foi de Kz 220.000, com os quais investiu na melhoria da infraestrutura da pequena escolinha, com a construção de uma pequena cantina onde vende alguns materiais escolares e pequenas refeições para os intervalos dos estudantes.
Em Angola cerca de 22% das crianças ainda se encontram fora do sistema de ensino (UNICEF Angola, 2015), e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) chega a apontar uma taxa de desistência só no Ensino Primário de 39,2% por diversos motivos associados, fazendo com que as desigualdades no acesso à Educação e a baixa qualidade do ensino reduzam as oportunidades de desenvolvimento e integração das crianças. Iniciativas como a “Explicação Juliana” são uma alternativa para a garantia do acesso ao Direito da Educação para que no futuro, possam igualmente concorrer para oportunidades de desenvolvimento.
Hoje com duas salas de aula, ela agora emprega cinco pessoas em sua explicação, e por intermédio desse trabalho tão nobre já consegue sustentar a sua família. Juliana relata que não parou por aí, e no sentido de diversificar as suas fontes de rendimento com o dinheiro que recebeu também conseguiu adquirir uma percentagem de terra que tem usado para a plantação e cultivo de diversos productos agrícolas.
Com o crédito que recebeu, fruto das intervenções do projecto de Desenvolvimento das Cadeis de Valor de Cabinda, Juliana está a fazer verdadeiramente a diferença na sua comunidade e a formar com excelência os pequenos que vão parar à sua explicação. Juliana olha com olhos ambiciosos para o futuro, e almeja alargar a sua explicação para um colégio de referência em Cabinda.
“O lema Esperança no Futuro, veio para dizer que a Explicação Juliana ela abre os olhos para aqueles que não estão a ver, porque esperamos que quem passa por aqui tenha a esperança de ver e ter um bom futuro”, disse em bom tom Juliana.
O nosso impacto com a componente de caixas comunitárias
A componente de caixa comunitária estimula nos beneficiários o hábito de poupar valores mínimos, que são acordados entre os membros do grupo, e que geralmente vão de Kz 500 a 2000, e são acumulados durante o ciclo de um ano. Ao final deste período o montante recolhido de acordo com os registos do que cada um poupou ao longo do ciclo é distribuído, e os lucros são repartidos entre os membros mais efectivos.
Estes grupos de caixas comunitárias têm reuniões semanais ou mensais para fazerem as suas poupanças e trocarem as suas experiências de investimento e de negócio, onde também aprendem sobre novas formas de poupar e de monitorarem-se enquanto grupo organizado.
“Antes de recebermos a formação eu trabalhava com poucas crianças, e não sabia como poupar. Na formação nós aprendemos como podemos economizar. Antes tudo o que recebia eu apenas sabia que tinha que gastar, mas agora sei que o que recebo uma parte vai para as pessoas que trabalham comigo e as despesas de casa, e a outra parte vai para a poupança” comentou Juliana.
A professora descreve que antes da formação a sua vida era difícil, mas que depois de ter adquirido o conhecimento com as capacitações pelas quais passou, nunca mais faltou pão para os dois sobrinhos, quatro netos e um bisneto que vivem em sua casa, e que agora tem a capacidade de administrar os seus bens mantendo os gastos equilibrados com as suas reais necessidades.
Juliana afirma que o conhecimento que adquiriu com os treinamentos da World Vision Angola não só transformou a sua vida, mas a de muitas outras mulheres da sua comunidade que também vêm beneficiando das acções do projecto.
Impacto da primeira fase abre novas oportunidades para o Tunda Likanda
O grupo de Juliana ainda não terminou de pagar o seu crédito, mas já é conhecido como um dos grupos mais exemplares e pontuais com os pagamentos, e fruto dessa fidelidade no compromisso, o grupo foi também um dos poucos seleccionados a beneficiar com um meio de transportação de mercadorias, as motorizadas de três rodas, conhecidas localmente como “kupapatas ou kaleluyas”, que irão facilitar o escoamento dos productos agrícolas do grupo para os mercados da sua província.
“É uma bênção, e eu sorrio para todos verem o quanto estou alegre, recebemos essa motorizada, e vai ajudar a todas as integrantes do Tunda Likanda a transpotar os nossos productos para os mercados para vendermos, o que vai nos facilitar também a terminar de pagar o crédito”, disse Juliana.
Actualmente, Juliana sente-se uma mulher empoderada, porque ela não depende de outras pessoas para poder realizar seus sonhos, e com tudo que já conquistou, continua a trabalhar, prevê cada vez mais realizações para a sua vida e para o futuro de sua família.
“Nós queremos que esse projecto não morra, porque como nós ainda há muitas mulheres que precisam desse incentivo para poderem desenvolver as suas ideias e colocar em prática seus sonhos. E eu só tenho palavras de agradecimento para o Banco Africano de Desenvolvimento que está a financiar este projecto e também para a com a World Vision Angola, porque a World Vision é uma família que nos acolheu com os dois braços e por isso nós também temos sido fiéis com os nossos compromissos, e vamos pagar o crédito até o final” garantiu Juliana.