Reforço alimentar nas escolas: resultados do sucesso da merenda escolar em Cabinda
A insegurança alimentar e a desnutrição infantil costumam andar lado a lado e são presenças recorrentes, especialmente nas zonas mais recônditas e de difícil acesso de Angola. As crianças, como sendo um dos primeiros alvos desta situação, por vezes deixam de frequentar a escola por falta de alimentos.
Na comunidade de Chinfuca, município de Cacongo, onde o Projecto Integrado de Cabinda (PIC) reabilitou a escola local e está a implementar dentre tantas intervenções a componente da merenda escolar, o estudante Miguel, de 12 anos, hoje não deixa de faltar às aulas por falta de comida. Ele e seu primo-irmão, que frequentam a 4ª classe naquela instituição de ensino, têm feito o consumo, duas vezes na semana, de uma refeição quente e nutritiva. Apesar do difícil contexto em que se encontra Miguel, inserido em uma comunidade afectada pela pobreza multidimensional, o menino sente-se motivado a continuar na escola, garantindo o acesso à oportunidade de persistir nos seus sonhos.
Com a implementação do PIC, a inserção de merenda na rotina escolar deu início a uma nova jornada na vida de um total de 142 estudantes da escola primária de Chinfuca.
“Antes não tínhamos muita paciência de estudar, quando tínhamos fome na hora da escola, as vezes fugíamos para ir comer alguma coisa em casa. Quando a minha avó conseguia alguma coisa comíamos, quando não tinha nada, ficavámos assim (sem alimentação)”, relembrou o pequeno Miguel.
Miguel, ou Benilton como carinhosamente é chamado, gosta de estudar e uma das suas actividades predilectas é brincar com os seus colegas de escola. Desde que sua frequência aumentou, o aluno tem se saído muito bem, principalmente em Matemática, disciplina preferida. Segundo ele, os números lhe permitem fazer contas, o que lhe dá grande vantagem no auxílio do atendimento aos clientes da pequena cantina de propriedade da sua avó.
“Já não quero mais ficar sem vir para a escola, mesmo nos dias que estou de férias, porque sei que vou ter comida na escola”, garantiu Miguel.
O Governo de Angola tem conhecimento da situação de vulnerabilidade das famílias de Chinfuca, e para salvaguardar o direito de educação das crianças residentes nesta zona, prevê a implementação da merenda escolar nas escolas primárias estatais e privadas em regime de comparticipação, segundo o Regulamento da Merenda Escolar em Decreto Presidencial n.º 138/13. Entretanto, a taxa de cumprimento desse decreto segue a alcançar menos da metade das instituições de ensino do país. Como tantas outras escolas em que se previa a abrangência desse programa, a escola de Chinfuca não tivera esse privilégio, facto que mudou há quase um ano com a reabilitação das estruturas e a construção da cozinha no recinto.
O nosso Impacto nas famílias de forma integrada
O PIC não só beneficiou as crianças da escola de Chinfuca, mas tem repercutido um impacto visível na vida das suas famílias. Miguel vive com sua avó, seus primos e sua tia, Matilde Lúcia, que teve a oportunidade de colaborar no desenvolvimento da sua comunidade ao fazer parte da equipa de merendeiras que preparam a comida para as crianças da escola.
A cozinheira é uma das cinco contratadas, e tornou-se a responsável da equipa da merenda. Ela recebe, como parte da colaboração na escola, Kz 30 mil, os quais afirma que servem de incentivo e ajuda com os gastos que tem em casa. “O saco de arroz agora está Kz 24 mil, mas apesar disso o dinheiro já ajuda a comprar outras coisas, tiramos um pouco daqui, outro bocado dali, e fazemos biscates para poder gerir as despesas ”, exemplificou.
A cozinha é actualmente gerida pela escola em parceria com as Escolas de Campo implementadas em nível da comunidade e a World Vision Angola tem feito a supervisão do sucesso do trabalho, de forma a garantir a apropriação dos requisitos estipulados no Artigo 7.º do Regulamento da Merenda Escolar, como:
a) O fornecimento de 1/3 das calorias necessárias diariamente, isto é, 700 Kcal/dia, conforme recomendado pela Organização Mundial da Saúde sejam acautelados;
b) Os carboidratos, proteínas, gorduras e micro-nutrientes (minerais e vitaminas) estejam presentes na alimentação dos estudantes;
c) E também, que as regras de boa higiene alimentar sejam rigorosamente observadas ao longo de toda a cadeia de distribuição alimentar, de modo a garantir a oferta de refeições seguras.
A alimentação oferecida aos alunos é baseada em alimentos ricos em componentes indispensáveis para o desenvolvimento de uma criança. A papa Ndkila, que é confeccionada com a farinha de soja e milho, e a sopa de mandioca foram seleccionados pelos especialistas da WVA em nutrição, por serem feitos à base de alimentos cultivados pela própria comunidade como forma de inserir certos hábitos alimentares menos frequentes na alimentação local.
“Eu estou muito feliz em poder contribuir na merenda escolar. A princípio estava com algum receio ter que atender tantas crianças, mas hoje o receio faz parte do passado, eu já não consigo ficar sem ouvir aquela alegria toda das crianças”, exaltou Lúcia.
Para além do sobrinho Miguel, o único filho de Lúcia também é beneficiário da merenda, e ela testemunha a mudança que tem registado desde que as crianças passaram a frequentar a escola regularmente fruto da alimentação escolar. “As crianças estão a se sair muito bem. Hoje já não refilam para ir às aulas, e eu estou mesmo a gostar da forma que estão a se desenvolver. Os meus meninos agora já conseguem ler e escrever, e mesmo em termos de crescimento estão a evoluir também. Eu lhes vejo diferente, até mesmo ao brincarem com outras crianças. A World Vision está a fazer muita coisa boa, ajudou e está a ajudar muito as crianças que têm uma mente fraca na nossa comunidade. Conforme estou a ver os meninos, é mesmo brilho, graças a Deus”, entusiasmou-se Matilde Lúcia.
A cultura de tomar sopa é rara naquelas circunscrições. O processo de adaptação das crianças à sua nova alimentação não foi fácil. A merendeira testemunhou que no princípio as crianças preferiam a papa ao invés da sopa, mas aos poucos esta foi ganhando espaço nas suas dietas. Lúcia diz que depois de terem passado pela formação de capacitação em nutrição, aprenderam a preparar a sopa: “Nós aprendemos a fazer sopa de batata e de mandioca, antes só sabíamos fazer sopa de feijão. Com as formações que recebemos pudemos aprender muito sobre a composição dos alimentos e também já começamos a fazer em casa e toda a família gosta, são alimentos que encontramos localmente, mas não sabíamos como preparar”, explicou Lúcia.
De olho no futuro, Lúcia confidencia que a cozinha sempre foi uma de suas grandes paixões, e que mais para frente gostava de ter o seu próprio negócio, um restaurante onde pudesse aplicar a sua habilidade, que já vem com a experiência de muitos anos.
Componente da Escola de Campo fomenta a agricultura local
O Projecto Integrado de Cabinda, no âmbito do seu plano integrado de trabalho, efectuou a entrega de alguns insumos para melhor desempenho dos grupos organizados preconizados. O grupo de Chinfuca recebeu recentemente máquinas de agroprocessamento da chicuanga e da farinha de mandioca, assim como a torradeira da farinha de mandioca e sementes de ginguba, entre outros.
Estas acções têm impulsionado muitas mulheres que, anteriormente, assim como a Lúcia, não tinham cultivado o gosto pelo plantio, e que hoje podem usar dos alimentos colhidos para o consumo de sua família e até para a venda em seus mercados informais.
“Na minha lavra eu coloquei a ginguba, o feijão macunde e macoba, a mandioqueira, o tomate, a banana pão e a beringela. Eu gosto de fazer parte do grupo porque tem muitos benefícios. Na minha lavra, já consegui colher 75 quilos, e ainda tenho uma certa quantidade plantada, mas do jeito que estou a ver vai render mesmo muito, que Deus abençoe a minha colheita”, disse esperançosa.
As escolas de campo vêm capacitando muitos camponeses nos projectos em que são implementadas. As sessões de formação habilitam os pequenos agricultores a melhor rentabilizarem as suas produções. Práticas sobre como preparar a terra e inserir as sementes da melhor forma são ministradas e os resultados têm sido bastante satisfatórios na altura das colheitas.
Antes a comunidade de Chinfuca plantava mais mandioca e milho, e agora o projecto trouxe uma nova visão, especialmente com a plantação de soja e do feijão macoba. Apenas mulheres constituem o grupo actualmente, e embora Lúcia se sinta mais confortável em trabalhar desta forma, a previsão é de se integrar também homens para poderem atingir outros patamares, visando a formação de uma cooperativa.
Componente Integrada da Poupança ou Caixas Comunitárias complementam a literacia financeira
A merendeira Lúcia cresceu em um contexto muito difícil, em que não frequentava a escola, e passava o dia tentando ganhar alguma coisa para ajudar no sustento da família com a venda no mercado informal. Depois de já crescida, ela conta que ao sair da casa de seu tio, não sabia ler e nem escrever, mas depois que voltou a morar novamente com sua mãe, ela estava decidida que ao menos deixaria de ser analfabeta.
Hoje, com os seus 38 anos, a líder das merendeiras vive com sua mãe, seu filho de 13 anos e seu sobrinho. Ela conta que passa por uma fase muito feliz de sua vida, ajudando a família com o que ganha da pequena colaboração na escola, com o que ganha da produção no campo e uma outra parte que aprendeu a poupar depois de receber as sessões de literacia financeira que foram ministradas ao grupo de caixa comunitária de Chinfuca.
A componente de caixa comunitária estimula nos beneficiários o hábito de poupar valores mínimos, que são acordados entre os membros, e que geralmente vão de Kz 500 a 2.000. Estes valores são acumulados durante o ciclo de um ano. Ao final deste período, o montante recolhido, de acordo com os registos do que cada um poupou ao longo do ano é distribuído, e os lucros são repartidos entre os membros mais efectivos.
O grupo de Lúcia decidiu poupar Kz 200 e tem mantido as suas reuniões para a poupança aos domingos.
“Eu aprendi a poupar! A princípio não queria, mas minha tia me aconselhou muito, e decidi desde aquela data entrar para o grupo de caixa comunitária, e desde que entrei foi mesmo só benefícios, porque é muita coisa que me estão a ensinar e que estou a aprender”, declarou.
Parte do dinheiro reunido entre as participantes pode ser retirado como empréstimo em situações de emergência, especialmente no que diz respeito a questões de saúde. A devolução se faz por meio do pagamento de um pequeno acréscimo no montante retirado e dentro do prazo estipulado.
As mulheres do grupo são estimuladas a reinvestirem os valores poupados na melhoria de suas lavras ou no incremento dos pequenos negócios que realizam, de forma a potencializar os seus ganhos e poderem ter e oferecer uma vida com um pouco mais de dignidade para suas crianças e familiares.