SECA NO SUL ACENDE ALERTA SOBRE O AUMENTO DE INSEGURANÇA ALIMENTAR NAS COMUNIDADES RURAIS

Joaquim e sua esposa mostram a plantação quase perdida devido aos efeitos da seca.
Sexta, 26 de Julho de 2024 - 09:49

A seca no Sul de Angola é uma realidade há pelo menos três décadas. Desde 1989, a World Vision actua nesta região como forma de aliviar as dificuldades causadas pela escassez de água que, ano após ano, vem se agravando e comprometendo as colheitas.

Quando questionados, agricultores e pastores não sabem explicar o porquê de a chuva cair cada vez menos. Apesar de ouvirem falar em mudanças climáticas, El Niño, não sabem exactamente o que este fenómeno significa. A única certeza que têm é que a fome será uma presença constante nos meses que se avizinham.

André Joaquim é originário da comuna da Cahama na província do Cunene, próximo à fronteira com a Namíbia, onde vivem cerca de 100 mil pessoas. Aos 59 anos, o chefe de uma família composta por 15 membros entre esposa, filhos e netos, vê com apreensão a situação da alimentação.

Joaquim com sua esposa, filha e neto na frente de uma de suas casas.

 

“Este ano vamos colher muito pouco. Era esperado perto de 2 toneladas de massango, mas não vamos passar de 1 tonelada, o que vai nos alimentar por três a quatro meses, no máximo. As plantas estão a crescer pouco e os grãos estão bem pequenos. Outro desafio são as pragas:  os insectos e larvas têm aparecido com frequência e destruído o pouco que temos”, lamenta Joaquim.

Plantio de Massango

As pragas têm atacado as plantações com frequência.

Plantação de milho atacada por insectos, sem espigas.

O agricultor é saudoso dos tempos passados, e relata as dificuldades que enfrentam em função da insegurança alimentar.

"Não lembro de ir dormir com fome quando era criança, mas agora, como quase não há chuva, nossas colheitas vão muito mal, as plantas não crescem o suficiente, ficam secas muita rápido e precisamos vender nossos animais para sobreviver e comprar o básico. Meus filhos hoje passam mais dificuldades do que eu, quando tinha a mesma idade que eles. Já tenho netos que estão com malnutrição, fico muito triste com isto."

Plantio da escola de Campo

Joaquim, a esposa e alguns filhos fazem parte do projecto "Criando Resiliência", como beneficiários da Escola de Campo e das caixas comunitárias. Mesmo com as novas técnicas aprendidas e a utilização da irrigação gota-a-gota, as dificuldades para reproduzir as mesmas condições de plantio na sua lavra são bastante grandes em função do acesso à água ser limitado.

MIGRAÇÃO E MEDIDAS PROVISÓRIAS

Mesmo a qualidade dos grãos tem sido afectada.

 De acordo com Neto Baltazar, Administrador Adjunto para a Área Técnica e Infraestrutura da Cahama, desde 2019, aproximadamente 10 mil pessoas têm migrado para outras localidades durante a época de seca, em busca de oportunidades de trabalho, a fim de garantirem a subsistência.

"Os que voltaram para cá em Janeiro e Fevereiro deste ano, na esperança de caírem as chuvas, não conseguiram plantar e estão a viver com muito pouco. Vão ficar aqui até Agosto e depois iniciam a movimentação para outros sítios, na província e fora dela. Na sua maioria, não têm gado para poder negociar ou vender, por isso migram."

Este é o caso da agricultora Josefa João de 40 anos, chefe de família, com quatro filhos, entre 20 e 4 anos de idade. No final de 2022, ela vendeu as poucas galinhas que criava e comprou um bilhete para a Namíbia, onde vivem alguns irmãos. No país vizinho, trabalhou no último ano como doméstica. Durante o mês de Dezembro de 2023, quando iniciaram as chuvas na cidade onde estava, decidiu voltar para a Cahama, de modo a cultivar a sua lavra, que ficou até então abandonada. Com o pouco de dinheiro que conseguiu juntar nos meses a trabalhar na Namíbia, pode comprar algumas sementes de massango, que utiliza, depois de colhido, para fazer a farinha. Entretanto, o tempo seco não ajudou, e as plantas não cresceram o suficiente.

Josefa João lamenta a perda da total da plantação de massango.

"Já é final de Março e as minhas plantas estão muito pequenas. Não vou aproveitar nada, e não sei como vou alimentar meus filhos, pois já vendi todos os animais que tinha. Estou sozinha aqui, só conto com a ajuda dos vizinhos. Vou ter que sair do país novamente, senão vamos ficar muito mal."

Josefa João no meio do campo de massango com plantas que não cresceram devido à falta de chuva.

O Governo local tem envidado esforços para aliviar esta realidade e diminuir a quantidade de pessoas a deixarem suas terras, através da construção de alguns diques para garantir o acesso à água, da distribuição de sementes melhoradas e algumas ferramentas, mas não ainda não é o bastante.

"A fome nos acompanhará pelo menos até Dezembro, e já sabemos que aumentará significativamente a quantidade de crianças com má nutrição. Em momentos como este, contamos com a ajuda dos parceiros, como a World Vision, não só para a distribuição de suprimentos para agricultura e alimentos, como também no tratamento das crianças", ressaltou Baltazar.

Muitas famílias já estão a iniciar as colheitas, mesmo as plantas ainda não estando em condições. A alimentação tem sido prejudicada, e por vezes complementada com hortículas que antes eram destinadas para os animais.

“Estamos a ferver esta tchila mangongo (espécie de melancia) que dávamos sempre aos porcos, porque não temos mais o que comer. Tenho vergonha de dizer isto, mas é a realidade”, confessou Luís Alberto, agricultor, de 52 anos de idade.

Luís Alberto mostra as plantas que costuma dar aos porcos, mas que agora ele e sua família estão consumindo devido às fracas colheitas de outros alimentos.